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Resenha Crítica - por Luciana Ezzarani

DIA 17/11/2025

Quem canta e conta, encanta 
Grupo Sorriso Feliz - Cabo Frio
Ensina Encena - Improviso
Laboratório de atuação cênica - Búzios
Toda margem tem um centro...
ou opressões diárias que nos atravessam
Gene Insanno Companhia de Teatro - Araruama
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Resenha Crítica – Espetáculo da Companhia Sorriso Feliz (Cabo Frio/RJ)A Companhia Sorriso Feliz, de Cabo Frio/RJ, abriu sua participação no FESTAR com um espetáculo de teatro de bonecos que rapidamente despertou a curiosidade e os risos da plateia. Com a proposta de conduzir o público por uma viagem musical através de diferentes ritmos, o narrador assumiu o papel de guia, costurando as cenas e apresentando cada universo sonoro.Os bonecos, bem confeccionados e de forte apelo visual, chamaram bastante atenção das crianças. No entanto, para que atinjam seu potencial expressivo máximo, é fundamental garantir maior unidade na manipulação. Em alguns momentos, os movimentos não estavam totalmente alinhados entre si ou com a dinâmica do narrador, o que quebrou a fluidez da narrativa e comprometeu a verossimilhança dos personagens.No aspecto técnico, a qualidade do som — peça-chave em um espetáculo que se estrutura sobre música e narração — apresentou instabilidades que dificultaram a compreensão plena das falas e das transições entre ritmos. Investir em ajustes de áudio, equalização e projeção vocal contribuirá significativamente para uma experiência mais clara e envolvente.Dramaturgicamente, o espetáculo possui uma ideia central interessante, mas necessita de maior coesão no encadeamento das cenas. A narrativa pode se beneficiar de transições mais bem articuladas, de uma linha condutora mais firme e de um cuidado especial para evitar representações estereotipadas — um ponto especialmente relevante diante de uma plateia predominantemente infantil, que absorve com sensibilidade os gestos, comportamentos e símbolos apresentados no palco.Apesar dos pontos a aprimorar, o trabalho da Companhia Sorriso Feliz revela dedicação, entusiasmo e potencial artístico. A proposta musical é rica, educativa e capaz de dialogar com diferentes faixas etárias. Com ajustes técnicos e dramatúrgicos, o espetáculo pode se tornar ainda mais potente e encantador nas próximas apresentações.

Resenha Crítica - O Grupo Encena Improviso, de Búzios, apresentou um espetáculo cativante de improvisação teatral, conduzido por cinco atores que demonstram energia, entrega e domínio das técnicas trabalhadas pela escola. A montagem se constrói a partir de diversos jogos — como a invenção de sons, palavras sugeridas pela plateia e o tradicional jogo da rima — que impulsionam o ritmo, o humor e a espontaneidade da cena.A cada apresentação, nasce algo irrepetível: o público oferece temas, frases e estímulos que servem como gatilho para criações únicas, que se dissolvem no instante seguinte. Nesta edição, o grupo convidou pela primeira vez um artista externo para integrar o jogo, ampliando a troca e fortalecendo o caráter colaborativo da improvisação.Apesar da força do elenco, alguns cuidados podem aprimorar ainda mais o espetáculo. Atenção ao timing cômico ajuda a garantir que as piadas encontrem seu melhor momento, mantendo a plateia engajada. Também é recomendável explorar mais profundamente os estímulos dados pelo público, em vez de partir imediatamente da frase sugerida, permitindo desdobramentos mais criativos e inesperados.Explicar rapidamente as regras dos jogos contribui para que a plateia compreenda melhor a dinâmica e participe de forma mais ativa, reduzindo respostas automáticas — especialmente os clichês ligados ao humor sexual. Embora a sensualidade possa gerar riso imediato, buscar alternativas fora do lugar comum expande o repertório cômico e fortalece a originalidade do espetáculo.No conjunto, o trabalho do Encena Improviso revela potencial, vigor e cumplicidade. Com ajustes no ritmo, na mediação com o público e na condução dos jogos, o grupo pode elevar ainda mais sua criação, oferecendo ao público uma experiência de improviso cada vez mais inventiva, madura e surpreendente.

Resenha Crítica – “Toda Margem Tem um Centro”, do Grupo Gene Insanno, conduz o público por uma travessia da vida real sobre deslocamentos, direitos e resistências. Um trem que carrega trabalhadores, estudantes e sonhadores se transforma em metáfora para a vida: encontros, desencontros e reencontros que moldam nosso cotidiano e que nascem tanto de histórias que ouvimos falar quanto das que lemos nos jornais.O espetáculo costura essas narrativas em múltiplos focos, desenhando uma dramaturgia fragmentada, que revela as tensões e afetos presentes nas rotinas urbanas. Há força no subtexto: só os corpos marginalizados e minoritários conhecem, na pele, as violências que a vida insiste em naturalizar, e a montagem acerta ao deixar essa camada latejando sob cada gesto.A cenografia merece destaque especial: clara, bem concebida e plenamente favorável à cena, potencializa a visualidade do espetáculo e reforça o clima de travessia que atravessa toda a narrativa. O elenco se entrega com verdade à direção, compondo um conjunto que funciona quando todos respiram no mesmo tempo e abraçam a coletividade da cena.Como apontamento construtivo, vale atenção ao tempo de encenação e à organicidade dos movimentos. As marcações são interessantes e bem desenhadas, mas o trabalho pode ganhar ainda mais potência quando o gesto marcado se confundir com o gesto sentido — quando a técnica se alinhar completamente ao impulso interno da cena.“Toda Margem Tem um Centro” é um espetáculo instigante, social e humano. Um retrato cênico das travessias diárias, das violências naturalizadas e das resistências silenciosas que constroem a vida nas margens. Um trabalho potente, com caminhos férteis para crescer a cada nova parada.

Resenha Crítica - por Luciana Ezzarani

DIA 18/11/2025

Piquenique e Outras Guerras
Companhia do Teatro Municipal de São Pedro da Aldeia
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O espetáculo “Piquenique e Outras Guerras” apresenta, de maneira direta e bem construída, a tentativa humana de manter a normalidade em meio ao caos. A narrativa evidencia a contradição entre um cenário de guerra e uma família que propõe um piquenique. A pergunta que acompanha a dramaturgia permanece: isso é normal?

As imagens mostram um trabalho de maquiagem bem executado, boas composições de cena e um figurino com ótimo acabamento, que contribui para a clareza visual. A unidade do grupo é coesa, fortalecendo a leitura coletiva da montagem.

A interpretação do elenco é verdadeira e coerente com a proposta, mas o espetáculo pode ganhar força e identificação imediata com o público se fizer referências ao nosso cotidiano, às nossas guerras atuais e modernas. A ideia do subtítulo “outras guerras” é excelente, mas é importante que essas guerras — sociais, emocionais, domésticas, políticas e contemporâneas — apareçam de forma mais clara na encenação. Isso ampliaria a profundidade do trabalho e aproximaria ainda mais o público da temática. Afinal, se virou subtítulo, virou dramaturgia e encenação.

Dica construtiva: o espetáculo tem potencial para ampliar o uso do nonsense, que é o eixo cômico da proposta. A situação central — uma família tentando manter um piquenique em plena guerra — abre espaço para explorar melhor o tempo de comédia, o absurdo e as reações inesperadas. Ajustes no timing e na dinâmica das cenas podem intensificar o efeito cômico.

Deve ser muito valorizado quando uma cidade mantém uma companhia municipal de teatro. O fomento público fortalece a cultura local, sustenta carreiras artísticas e contribui diretamente para a formação de plateia. Uma companhia municipal é um patrimônio cultural que projeta a cidade e garante acesso à arte como direito.

O resultado é uma montagem visualmente organizada, com bom trabalho técnico e elenco coeso, que provoca reflexões sobre tentativas humanas de normalidade em situações extremas.

O Grande Duelo entre o Diabo e o Boi Encantado
Trupe Insanna
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A Trupe Insanna apresenta “O Grande Duelo entre o Diabo e o Boi Encantado” com a beleza e a vibração características da cultura popular brasileira. Desde os primeiros instantes, percebe-se a alegria do grupo em cena e a evolução constante de seus integrantes. A construção revela um percurso artístico em amadurecimento, visível na entrega, no brilho e na coragem com que ocupam o espaço cênico.

O espetáculo convoca o sagrado e o profano, o riso e o mistério, a festa e a ritualidade — elementos amplamente presentes no Bumba Meu Boi, nos autos populares e nas folias brasileiras. Mesmo ao experimentar novas técnicas, o grupo mantém preservada a essência ritualística que orienta sua identidade criativa.

– O elenco apresenta material humano potente, com presença, disponibilidade e verdade cênica.
– O Boi Encantado destaca-se como figura simbólica de forte apelo visual, simples e expressiva, despertando curiosidade e encantamento no público.

As observações a seguir funcionam como caminhos de crescimento para um grupo que já demonstra dedicação e vigor artístico:

• Dinamismo das marcações e coreografias: no teatro de rua, o aumento do movimento e da circulação intensifica a energia do espetáculo. A formação de rodas e o uso integral do espaço em 360° podem ampliar a experiência para o público.

• Distribuição dos brincantes entre a plateia: entradas e saídas pelos corredores e pelo meio do público criam surpresa, aproximação e maior vitalidade dramática.

• Variações rítmicas: a alternância de ritmos nas canções e nos gestos contribui para a construção de atmosferas distintas e reforça a dramaturgia da cena popular. Buscar referências nas pegadas de circo também seria um caminho 

• Exploração de triangulações e fuga da frontalidade: composições espaciais diversas enriquecem a visualidade e conferem fluidez às transições cênicas.

• Visualidade e figurinos: alguns personagens — especialmente o Diabo — podem se beneficiar de elementos mais volumosos ou de texturas que reforcem sua imponência simbólica, acentuando a sensação de que, apesar de seu porte, pode ser vencido pelo poder coletivo. Ajustes discretos têm potencial para valorizar significativamente a estética geral.

A apresentação reafirma a identidade da Trupe Insanna, marcada por energia jovem, envolvimento e forte interesse pelo teatro popular. A cada nova montagem, observam-se aprimoramento técnico, fortalecimento da comunicação cênica e expansão da presença do grupo. A continuidade da pesquisa, da experimentação e do jogo tende a aprofundar ainda mais o caminho já iniciado.

O espetáculo mantém viva a esperança, a festa e a mística como núcleo da cena, reafirmando a arte popular como um gesto de resistência, memória e encantamento.

Show de Talentos 
Escola de Arraial do Cabo
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O Show de Talentos da Escola de Arraial do Cabo trouxe uma noite cheia de diversidade artística e entrega dos participantes, revelando talentos em diferentes linguagens e homenagens marcantes.

A abertura trouxe uma linda reverência a Lima Duarte. O ator que o interpretou transitou com sensibilidade pelos diferentes personagens, criando composições ricas e atuando com verdade. O resultado foi uma homenagem delicada e afetiva ao grande artista brasileiro.

Na sequência, a apresentação de dança encantou pela graça e pela presença da atriz. A performance, já cheia de intenção, pode ganhar ainda mais potência com maior vigor físico, ampliando a expressividade dos movimentos.

A terceira artista trouxe uma bela homenagem ao cinema, entregando-se completamente — vocal e fisicamente — à sua personagem. Houve verdade, emoção e um brilho especial em cena.

A quarta performance apresentou uma dublagem dinâmica, com um figurino muito bem escolhido. A técnica exige precisão e sincronização absoluta — sempre um desafio —, mas a artista entregou um número divertido, cheio de energia e personalidade.

Em seguida, a performance inspirada em Ney Matogrosso foi a verdadeira cereja do bolo da noite. O ator conseguiu captar a essência do artista com um olhar penetrante e um ritmo eletrizante, trazendo para o palco toda a intensidade e ousadia que marcam a trajetória de Ney.

A homenagem a Sandra Sá chegou com uma jovem atriz que buscou a essência da cantora nos passos firmes da soul music, revelando presença e sensibilidade ao interpretar uma das grandes vozes do país.

Por fim, a performance inspirada em Lady Gaga encerrou o evento com energia contagiante. Carisma, potência e vibração marcaram o número final, deixando o público animado e celebrando o talento local.

Ao final da noite, ficou evidente: a Escola de Arraial do Cabo está de parabéns pelo cuidado, pela criatividade e pela dedicação envolvidos na realização do evento. Foi uma celebração linda de arte, talento e juventude.

Se vivêssemos em um lugar normal
Projeto Transmutante – Maricá/RJ
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Uma gaita nos convoca para a cena e anuncia, desde o primeiro respiro, que ali veremos um ator que domina seu ofício com precisão e presença. Sozinho em cena, em cumplicidade direta com o público, ele estabelece um pacto narrativo imediato: somos convidados a acompanhar sua história, seus desvios, seus afetos e suas feridas. O espetáculo opta pelo teatro narrativo, em que a palavra conduz a ação e o intérprete atravessa, com fluidez, o território entre personagem e contador.

A montagem revela diversas camadas dramatúrgicas, construídas à maneira do teatro contemporâneo: fragmentos, ironias, rupturas, variações de ritmo e um humor que aciona a crítica social sem didatismo. O texto é dito em grande velocidade, mas o ator sustenta tal ritmo com clareza admirável — mesmo nos trechos mais acelerados, o público compreende tudo. Há organicidade no corpo e na voz; há intenção, escuta e um domínio técnico que parece, de tão afinado, quase sem esforço.

Um dos pontos mais fortes do trabalho é o uso de partituras — física e vocal. Cada gesto possui desenho e direção; cada palavra possui peso, timbre e musicalidade. Essas partituras funcionam muito bem e dão ao espetáculo uma dinâmica que alterna humor, tensão e lirismo, sempre sustentada pela precisão do intérprete.

A encenação dialoga com seus elementos visuais de forma inteligente. O figurino é interessante, serve à narrativa e revela camadas simbólicas do protagonista. A luz, por sua vez, não apenas ilumina, mas conversa com a cena, criando atmosferas, sugerindo estados emocionais e conduzindo os deslocamentos narrativos com sensibilidade.

Há ainda um comentário social que atravessa a obra com força, especialmente a partir de frases marcantes — como aquela que diz que “pior do que ser pobre é não saber o que fazer quando se tem dinheiro”. Em momentos assim, a montagem expõe, com ironia fina, as contradições da sociedade brasileira e a fricção constante entre desejo, frustração e desigualdade.

No conjunto, Se vivêssemos em um lugar normal é uma obra que combina humor, subversão e crítica com a precisão técnica de um ator em plena maturidade artística. Um espetáculo que não teme o risco, abraça suas camadas e entrega ao público uma experiência intensa, envolvente e provocadora — dessas que permanecem ecoando muito depois que a cena escurece.

Resenha Crítica - por Luciana Ezzarani

DIA 19/11/2025

Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove
Companhia Teatro ao Quadrado – São João de Meriti, RJ
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“Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove” apresenta a história de Pingo, um pingo de chuva que enfrenta seu chefe, Chuveiro, e até o próprio Sol, para defender o direito da chuva acontecer. Trata-se de uma fábula que mistura fantasia, humor e caos criativo: sereias, ovos, galinhas, palavras que se multiplicam e músicas que escorrem pela cena criam uma grande tempestade de imaginação.

A montagem aposta na interação entre uma atriz e dois “músicos” (ou atores), e a presença da banda em cena é sempre bem-vinda, trazendo expectativa e energia. Porém, para que o trio funcione como um organismo único, é importante que os músicos estejam plenamente integrados ao espetáculo, não apenas sonoramente, mas também em interpretação, postura e figurino. A composição visual deles ainda carece de maior harmonia e, para todos, investir em maquiagem cênica, mesmo simples, pode reforçar a unidade estética.

Tudo é questão de decisão:
se são personagens, devem agir como tal — texto decorado, figurino, maquiagem, marcação;
se não são, outra solução deve ser criada para a parte textual, a fim de evitar ruídos cênicos.

A atriz demonstra gentileza e escuta, especialmente no momento em que acolhe a criança convidada — um dos pontos mais afetuosos da apresentação. Contudo, no canto, seria valioso trabalhar respiração e apoio vocal, garantindo maior firmeza e conforto nas transições entre fala e música. Também é recomendável microfonar quem canta, equilibrando a potência vocal com os instrumentos.

A utilização de objetos artesanais é um acerto, pois revela cuidado e singularidade. Dar maior protagonismo a esses elementos — iluminação, manipulação e presença — pode ampliar ainda mais sua força simbólica. Da mesma forma, transformar a poça em um espelho real reforçaria o sentido metafórico da cena e criaria imagens mais potentes.

No entanto, a dramaturgia ainda se apresenta frágil, e o fio condutor não convence completamente. Um maior investimento na costura dramatúrgica — conflitos, transições, motivações das cenas — pode dar solidez e clareza ao percurso de Pingo.

Em síntese, “Eu Chovo, Tu Choras, Ele Chove” é um espetáculo com imaginação fértil e boas sementes, que pode crescer muito ao fortalecer sua unidade estética, sonora e dramatúrgica. Há beleza, afeto e entrega, e ajustes cuidadosos podem transformar essa chuva em um temporal artístico de grande potência.

As Aventuras de Quitapena
Patty Lopes – Rio de Janeiro
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“As Aventuras de Quitapena” é um espetáculo interativo e mágico inspirado na lenda maia das bonecas Quitapena — pequenos amuletos capazes de transformar preocupações em tranquilidade. Criada em 2025, a montagem explora elementos da cultura latino-americana e traz para a rua um universo pouco usual quando se pensa nesse formato de apresentação, ampliando o imaginário do público e despertando curiosidade por referências nem sempre conhecidas.

Na Categoria Teatro de Rua, o grupo ocupou a praça com pequenos elementos espalhados pelo espaço, criando uma atmosfera lúdica para a viagem que as duas atrizes propõem pela América Latina. As intérpretes se entregam ao trabalho com energia e descontração, dominando o público com alegria e irreverência. Há uma vibração genuína na presença cênica das artistas, que sustenta momentos de encantamento e aproxima a plateia da narrativa. O figurino também merece destaque: em cores, texturas e detalhes, compõe muito bem as personagens como meninas latino-americanas, reforçando identidade, pertencimento e alegria.

Alguns aspectos, no entanto, podem ser aprimorados para fortalecer ainda mais o espetáculo.
A proposta de direção escrita apresenta-se em tópicos, como um esboço inicial, o que acaba limitando a compreensão da visão estética desejada. Elementos como “teatro de animação” e “sombras” aparecem de forma isolada, quase como uma legenda da sinopse, sem detalhar por que foram escolhidos, como dialogam com a história ou de que maneira seriam executados na rua. Inclusive, as sombras mencionadas na proposta não se fizeram presentes na apresentação, o que enfraquece a coerência entre o projeto escrito e o que se vê em cena.

A sonoplastia, embora tenha se ajustado no decorrer da apresentação, ainda necessita de maior precisão ou de novos recursos para garantir que o som chegue ao público com a mesma qualidade e presença alcançadas pelas atrizes. O grupo também precisa aprimorar o uso do microfone, buscando mais clareza, equilíbrio e projeção, especialmente no ambiente aberto da rua.

Para esse formato, é importante considerar que objetos cênicos — como mapas e bonecos — exigem dimensões maiores, garantindo boa visibilidade e impacto visual no espaço externo.
Outro ponto a ser observado é que a dramaturgia e o ritmo vão se diluindo ao longo da apresentação, o que enfraquece a linha narrativa e reduz a potência da história inicial. Com um reforço na organização dramatúrgica e nos enlaces entre as cenas, o espetáculo pode alcançar maior coesão, continuidade e profundidade.

“As Aventuras de Quitapena” é um projeto com grande potencial, que parte de uma temática rica e sensível sobre preocupações, afetos e pertencimento na infância, mas livre para todos publicos. Com pequenos ajustes na direção, na dramaturgia e nos elementos técnicos, o trabalho pode se tornar ainda mais forte e encantador, ampliando sua força comunicativa e sua beleza no teatro de rua.

O Último Dia da Minha Vida
Tom de Mello - Rio de Janeiro
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O Último Dia da Minha Vida constrói um percurso íntimo, no qual a dramaturgia se apoia menos em acontecimentos externos e mais nas memórias e conflitos internos do personagem Ângelo. Em cena, um jovem de voz serena conduz o público por lembranças, afetos e fragmentos de identidade, enquanto manipula pequenas bolas marrons e percorre o espaço com delicadeza. O figurino — um macacão sem camisa e pés desnudos — reforça a vulnerabilidade e a disposição do ator em revelar partes sensíveis de sua história.

Momentos de evocação da avó e reflexões pessoais criam um fio emotivo que deveria sustentar o monólogo. Entre essas passagens, surgem perguntas que ressoam, como:
“Por que a gente só entende uma história quando se divide ela com alguém?”
É justamente nesse gesto de partilha que o espetáculo busca o seu centro.

Apesar de anunciar que não haveria interação com a plateia, o ator convoca o público em diversos momentos — chamando pessoas pelo nome, deslocando-as no espaço ou pedindo uma bebida. Embora contradiga a proposta inicial, essas intervenções funcionam como pequenos respiros para uma cena que, em grande parte, permanece monocórdica.

Os conflitos dramatúrgicos são majoritariamente internos, compostos por memórias, dores, dúvidas e afetos que retornam ciclicamente. A direção aposta em um tratamento sensorial e íntimo, sustentado pelo corpo e pela voz do intérprete, mas o ritmo pouco variado e a ausência de camadas emocionais mais profundas acabam limitando o alcance dessas escolhas. Há intenção, mas falta nuance para que a experiência seja mais pulsante.

O resultado é um trabalho que dialoga com temas universais — identidade, pertencimento e escolhas — e que se apoia na presença do ator para criar uma ponte afetiva com o público. Entretanto, para alcançar plenamente seu objetivo, o espetáculo ainda precisa encontrar maior dinamismo, contrastes e riqueza emocional. Há um caminho sendo construído; falta apenas que ele respire com mais vida, ritmo e intensidade.

Cabeça de Porco – Retratos de um Território
Grupo Sociocultural Código – Japeri, RJ
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Celebrar vinte anos de um grupo de teatro na Baixada Fluminense é celebrar resistência, permanência e invenção. O Grupo Sociocultural Código chega a essa marca com a força de quem transforma fracassos em potências, ausências em presença e esquecimento em memória viva. “Cabeça de Porco – Retratos de um Território” nasce desse caldo — de histórias que não cabem nos mapas oficiais, de vozes que costumam ser esquecidas pelas narrativas centrais, de corpos que insistem em existir apesar das tentativas de apagamento.
O espetáculo se anuncia como um mergulho em um lugar que é e não é Japeri: um território fictício, mas carregado das dores, alegrias, sonhos e tensões muito reais de quem vive ali. Um retrato múltiplo, vivo, cheio de sombras e brilhos, onde cada memória pode ser lembrança ou invenção, cada rosto pode ser o de um vizinho ou de um desconhecido, e cada história se desdobra em várias possíveis.
A dramaturgia gira em torno de uma festa popular chamada Cabeça de Porco, que existe — ou existiu — como parte da memória comunitária. É dessa celebração que surge o conflito principal: o teto ameaça cair, o forro precisa ser salvo, e a comunidade se vê tomada pela urgência de proteger o único espaço de encontro e alegria que possuem. Salvar o forró significa salvar o entretenimento do pobre — garantir o direito de dançar, celebrar e existir para além das violências diárias. Essa camada simbólica dá ao espetáculo um pulsar profundamente comunitário.
Seis meninos em cena, cheios de energia e pertencimento, ocupam o espaço com figurinos em tons alaranjados, cores quentes que evocam terra, brasa, memória e festa. Eles falam sobre o forró como lugar onde a felicidade reina, onde a comunidade se reconhece e onde o corpo encontra descanso no próprio movimento.
A proposta de direção é consistente: integra passado (anos 80), presente (a juventude em cena) e futuros possíveis, orientada pelo princípio Adinkra Sankofa, que convoca a buscar no passado a força para seguir adiante. A cenografia — dez cubos modulares — cria um espaço transformável, e até o lado de fora foi cuidadosamente pensado. O grupo demonstra atenção à ambientação externa, transformando o espaço aberto em extensão viva da cena.
No entanto, alguns pontos merecem atenção.
Em determinados trechos, o som muito alto dificulta o entendimento, e os atores precisam articular melhor as palavras para que a narrativa alcance o público com nitidez. O tempo estendido de algumas ações também pode gerar cansaço, criando pequenas quebras de ritmo que podem ser facilmente ajustadas sem comprometer a poética do gesto.
Em síntese, “Cabeça de Porco – Retratos de um Território” revela um grupo que olha para si, para sua comunidade e para suas memórias com coragem artística, sensibilidade e profunda afetividade. Há beleza na forma como os jovens performers ocupam o espaço, há verdade nos gestos e há um desejo de comunhão que merece ser reconhecido e fortalecido.

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